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Artigo

O ex-mapa da língua e as principais características para identificação dos gostos básicos

Autor(a):: Hellen Dea Barros Maluly (MALULY, H.D.B.)
Farmacêutica e Doutora em Ciência de Alimentos. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2754275781355863

Publicação: 2 de julho de 2021

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Resumo

Tecnologias de engenharia genética puderam desvendar mitos sobre a percepção do paladar e investigar os mecanismos de sensação dos gostos básicos.

Palavras-chaves: gosto, sabor, mapa da língua, substâncias gustativas, umami.

Há muitos mitos que ainda guardamos na nossa memória. No entanto, hoje a ciência pode nos ajudar a desvendar ou entender melhor alguns fatos e outros boatos!

Uma das grandes descobertas realizadas, principalmente após o avanço das técnicas de engenharia genética, está relacionada ao paladar. Através dessas, os cientistas puderam identificar os mecanismos de ação das substâncias que proporcionam os cinco gostos básicos (doce, salgado, amargo, azedo e umami).

Os humanos possuem quatro tipos de papilas gustativas na sua superfície, as quais são denominadas: fungiformes, foliadas, circunvaladas e filiformes. As filiformes estão envolvidas apenas com as sensações somatossensoriais, ou seja, relacionadas ao tato, com a percepção das temperaturas, sensações mecânicas ou mesmo dolorosas, provocadas por substâncias presentes em pimentas; já as outras três contém botões gustativos. Cada botão gustativo é composto por células gustativas, as quais possuem receptores* (obs 1) para os cinco gostos básicos. Os pesquisadores verificaram que esses receptores estão espalhados em todas as partes da nossa língua e, ao contrário do que dizia a antiga crença popular, não há um “mapa da língua”, em que cada região permite a sensação a um caráter gustativo.

Trivedi (2012) mencionou em sua publicação no suplemento sobre paladar na Revista Nature, estudos que comprovaram este fato. O artigo descreveu que o “mapa da língua” foi introduzido no início do século 20, mas este fato é considerado obsoleto desde 1931, quando o químico americano Arthur Fox, da empresa DuPont, fez uma descoberta notável ao liberar acidentalmente finos cristais de feniltiocarbamida (PTC)* (obs 2) durante uma transferência para outro recipiente e verificou que o gosto amargo do composto podia ser percebido em toda a língua e não somente no fundo, como acordava o “mapa da língua”.

Além deste fato, ele verificou que este composto proporcionava um gosto extremamente amargo para algumas pessoas, mas outras não sentiam gosto algum (FOX, 1932). Este fato foi também avaliado pelo geneticista Lawrance H. Snyder, que confirmou a afirmação de Fox, o qual revelou que havia traços mendelianos em um gene recessivo para os chamados “não-provadores” (que não sentiam o gosto das substâncias). Essas publicações deram o primeiro passo para o início às pesquisas com análises sensoriais, diferenciando os “provadores” dos “não-provadores”. Hoje já se sabe também que não há apenas um gene recessivo e sim vários. Portanto, isto também revela que não há sentido em “mapear” a língua dos humanos, pois os indivíduos podem sentir os cinco gostos, cada qual de sua maneira, pois tudo vai depender de sua constituição genética (TRIVEDI, 2012; FOX, 1932; SNYDER, 1931; WOODING, 2006).

Mecanismos de ação das substâncias gustativas

Apesar das observações de Fox e Snyder, apenas após décadas, os receptores para os gostos básicos foram realmente desvendados. Diferentes grupos de pesquisa publicaram diversos artigos científicos na corrida pela descoberta dos mecanismos de ação gustativa.

Para o gosto Umami, especificamente, sabe-se que foi percebido pela primeira vez pelo Dr. Kikunae Ikeda em 1908, mas apenas na década de 90, que grupos de pesquisa identificaram esses receptores. Um dos grupos foi o da cientista Nipura Chaudhari, inicialmente da Universidade do Colorado, que indicou, em 1965, que havia receptores de membrana de células gustativas para a principal substância umami, o glutamato (CHAUDHARI et al., 1996).

Além do grupo de Chaudhari, o grupo do neurocientista americano Charles Zuker (Howard Hughes Medical Investigator / Columbia University – New York) e o geneticista Nicolas Ryba (National Institute of Dental and Craniofacial Research in Bethesda, Maryland) se destacaram na detecção de receptores gustativos. Primeiramente, em 2000, detectaram receptores para o gosto amargo, e o chamaram de T2R* (obs 4) (CHANDRASHEKAR et al., 2000). Já em 2001, o mesmo grupo identificou os receptores para o gosto doce (T1R2 e T1R3), tanto para os açúcares provenientes naturalmente dos alimentos, como para os edulcorantes. Além disso, em 2002, também conseguiram identificar outros receptores responsáveis pela sensação do gosto umami, o T1R1 e o T1R3 (NELSON et al., 2001; CHAUDARI & ROPER, 2010) .

A ciência pode desvendar muitos mitos que ainda circulam em notícias e livros didáticos. Por isso devemos sempre ficar atentos às novidades que ainda estão por vir…
Mais detalhes sobre receptores gustativos podem ser encontrados no artigo “a percepção dos gostos”.

Observações

Obs 1: Receptores: proteínas presentes na membrana das células/organelas que interagem com substâncias específicas, promovendo  uma transdução de sinal (reações químicas no interior da célula), que resultam em mecanismos de ação específicos.

Obs 2: Feniltiocarbamida (PTC): uma proteína encontrada em alguns vegetais das famílias Cruciferae e Gramineae, que podem ser muito amargas para algumas pessoas e para outras sem gosto nenhum.

Obs 3: Receptores metabotrópicos: são receptores que estão associados a moléculas de sinalização, as chamadas proteínas G e/ou segundos mensageiros, responsáveis por desencadear uma sequência de eventos bioquímicos que podem, no caso dos gostos, acionar neurônios para sua identificação.

Obs 4: A denominação TR é proveniente do termo em inglês taste receptor; os números correspondem às classificações para identificação de cada receptor.

Referências

  1. TRIVEDI, B.P. The finer points of taste. Nature outlook 2012; 486 (7403): S2-S3.
  2. FOX, A.L. The Relationship between Chemical Constitution and Taste. Proc Natl Acad Sci U S A 1932;18(1):115-20.
  3. SNYDER, L. H. Inherited taste deficiency. Science 1931; 74: 151–152.
  4. WOODING, S. Phenylthiocarbamide: A 75-Year Adventure in Genetics and Natural Selection. Genetics 2006; 172: 2015–2023.
  5. CHAUDHARI, N., YANG, H., LAMP, C., DELAY, E., CARTFORD, C., THAN, T., ROPER, S. The taste of monosodium glutamate: membrane receptors in taste buds. J Neurosci. 1996; 15;16(12):3817-26.
  6. CHAUDHARI, N., LANDIN, A.M., ROPER, S.D. A metabotropic glutamate receptor variant functions as a taste receptor. Nat Neurosci. 2000; 3(2):113-9.
  7. CHAUDARI N, ROPER SD. The cell biology of taste. J Cell Biol. 2010; 190(3): 285-96.
  8. CHANDRASHEKAR J.; MUELLER, K. L.; HOON, M. A.; ADLER, E.; FENG, L.; GUO, W.; ZUKER, C. S.; RYBA, N. J. T2Rs function as bitter taste receptors Cell 2000; 100(6):703-11.
  9. NELSON, G.; HOON, M.A.; CHANDRASHEKAR, J.; ZHANG, Y.; RYBA, N. J. P.; ZUKER, C.S. Mammalian sweet taste receptors. Cell. 2001, 106 (3): 381-390.

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